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E cá estamos, meu querido leitor, minha intrépida leitora, vamos começar a temporada 2021 de Literatura, café e outros vícios? Que nesse ano que promete muitas privações antes que uma vacina chegue e as coisas comecem a parecer menos doidas, que a literatura, ler ou falar de literatura, continue a ser um refúgio, um porto seguro para todos nós. Então, vamos começar?
E o texto de hoje começa com uma singela pergunta: caro leitor, como você sabe que sou alguém real? Falando de outra forma, como você sabe que esse texto é escrito por alguém de carne e osso e não por um robô, uma máquina, um algoritmo?
Claro que alguns de meus leitores, talvez uma meia dúzia, o que, arrisco dizer, representa metade da minha audiência, essas pessoas tiveram a felicidade de me conhecer pessoalmente, algumas convivem comigo, pobrezinhas, já garantindo muitos tijolinhos na morada celeste delas. Mas você que me lê sem me conhecer, você mesmo, herói anônimo e a quem admiro tanto, você tem mesmo certeza de que não sou um robô?
Pois bem, sou muito humano, mais do que gostaria e, sinto dizer, o leitor vai ter que se conformar com isso. Mas toda essa conversa e este primeiro post de 2021 foram inspirados por uma matéria da Folha de São Paulo, disponível aqui, falando justamente de perfis no twitter que usam algoritmos para escrever pequenos contos que cabem em até 280 caracteres, poemas épicos ou sonetos. O lance é trazer palavras ou expressões utilizadas na rede, enquanto o algoritmo as organiza segundo padrões pré concebidos. Ou seja, máquinas inspiram-se em palavras que aprendem e preenchem lacunas em frases.
Mas, ora, não é exatamente o que fazemos?
Para quem, como eu, já escreve há um bom tempo e até já se arriscou a garatujar alguns contos, uma coisa ficou clara desde o início: escrever é uma construção intelectual, sempre. Sinto dizer ao ingênuo leitor mas esse negócio de inspiração não passa de balela, conversa mole de poeta pra se dar bem em alguma conquista amorosa. Escrever é árduo e às vezes doloroso não porque você sofre mas porque transformar uma ideia naquilo que você quer, do jeito que você quer, dá uma baita trabalho. Sobre o assunto, há um trabalho clássico de Edgar Allan Poe chamado Teoria da composição, no qual ele apresenta o fazer literário como o equivalente a um problema matemático. E até diz que o número ideal de versos seria cem (O corvo, seu poema mais conhecido, se não me falha a memória, tem 106).
E, acredite, quase nunca fica do jeito que você esperava e a culpa fica te acompanhando. Mas também tem aquele momento em que você lê o que escreveu e quase se orgulha, até se pergunta como diabos você teve aquela ideia?
Pois é por esse último detalhe que os algoritmos, embora estejam evoluindo e já se preveja que em breve serão capazes de escrever romances inteiros, é nesse ponto que eles – ainda – não substituem o ser humano que escreve: algoritmos não tem ideias, aquele estalo que, repito, não é inspiração mas que, no momento em que aparece se instala na cabeça e não quer sair, é como uma coceira que não se consegue coçar. E o único jeito de se livrar dessa coceira, bem, é escrevendo. Como estou fazendo agora.
Não me levem a mal, não estou demonizando os algoritmos escritores, até os admiro pois são uma nova forma de expressão típica dos tempos que vivemos. Passei a seguir alguns e até curto os resultados. Alguns não diferem muito do que faziam poetas surrealistas (lembrei do cadavre exquis, montagem coletiva de um poema através de palavras aleatórias mas com uma estrutura sintática já determinada) ou, expandindo a interpretação, da pintura abstrata. Vale e muito seguir esses perfis e acompanhar os resultados. Só que algoritmos não tem ideias e não sonham e escrever não é apenas ordenar palavras, é manipular e tornar tangível a matéria de que são feitos os sonhos. E algoritmos ainda não sonham com ovelhas elétricas.
Logo, enquanto as máquinas não sonharem e não formos substituíveis, seguiremos sonhando com ovelhas elétricas e escrevendo nossas mal traçadas linhas.
Bom ano, boas leituras para todos nós!