E hoje, há 20 anos, o mundo ficava mais triste e com menos poesia. Menos contestador, mais conformado, carola e sem graça. Hoje, mais que nunca, Renato Russo faz falta.
Escrevi o pequeno conto abaixo, há algum tempo, pensando em uma das minhas músicas preferidas do Legião.
Minha humilde homenagem, guerreiro da luz.
Como é difícil escrever sobre o amor, ele pensava com a caneta em suspenso entre os dedos, como a trapezista que desafia a vida tão perto do chão do bloco de notas.
Mas ele se conformava, pensar nunca foi seu forte, sentir e apenas sentir fazia seus poucos pensamentos saltarem de um lado a outro, iniciando um giro vertiginoso que era o climax do vazio que ele sustinha no peito como uma nota sem fim que transforma a bela música em silêncio repleto de estática.
Sentado naquele banco junto à entrada da estação de ônibus ele esperava pela oportunidade de dizer a ela tudo o que sentia, de perguntar se ela também sentia o mesmo, de falar a ela sobre todos os planos que fazia para ele com ela, que seria o fim do ir e vir errante e todos os clichês que conhecia em seu escasso vocabulário, pois ele não ligava para os amigos que riam dele e que já começavam a desconfiar de sua sanidade.
Que falem pelas suas costas, pois ele provaria o contrário, o amor é mesmo um sem número de repetições, todas destinadas ao fracasso, mas é a queda que faz do ser mais humano e ele não conseguia expressar essa ideia, só o esforço da tentativa lhe doia a cabeça; ele sabia, contudo, que só o salto lhe interessava e esperava tornar-se o anjo caído.
Algo lhe dizia que o amor não era para aqueles que buscavam a redenção, um cego que guia outro cego?
Afinal, ela desce do ônibus para pegar outro ônibus que a levará a outro ônibus para longe dele para sempre e até a próxima oportunidade, no dia seguinte. Mas ele se negava a esperar. guardou bloco e caneta no bolso e caminhou resoluto em direção a ela, as batidas ressoavam em seus ouvidos e ele corou pensando que lhe parecia que todos ouviam o retumbar em seu peito e sentiam com ele a pressão nas têmporas e ele então ouvia em si uma música que gostava tanto, “…não queria te ver assim, quero a tua força, como era antes, o que tens é só teu e de nada vale fugir, e não sentir mais nada…”
Seu passo vacila quando ela passa por ele tão apressada, uma brisa rápida e imperceptível que não perfuma e que deixa um odor de roupa usada, mas que ele adora tanto, como em todos os outros dias em que isso aconteceu, por uma fração de centésimo de segundo seus olhares se cruzam e ele julga ser suficiente para deixar tudo muito claro a ela, mas ele percebe com certa tristeza que ela está ainda nesse mundo e que ele não pode, como na música, fazer floresta do deserto e diamantes de pedaços de vidro.
E mais um dia se foi e ele precisa voltar ao mundo para a irrealidade que não é sua vida, mas não importa, sempre haverá outro dia para amar, pois assim ele entendia o amor, como aquilo que mais pleno fica quanto menos se toca, como duas retas que um dia se cruzam no infinito.