Depois de um bom tempo sem escrever por aqui, finalmente, em minhas férias e em meio a uma reforma, a vida arranjou tempo para mim: tive uma crise de diverticulite, a primeira da vida, e escrevo essas linhas de um quarto de hospital, agora felizmente sem dor. Digamos, então, que o tempo que me faltava me foi dado. Terminei algumas leituras, avancei em outras e, enquanto aguardo o futebol logo mais e o médico assinar minha alforria, dou de bom grado algumas dicas de leitura. Vamos?
A ridícula ideia de nunca mais te ver – Rosa Montero – Todavia
De todas as experiências da vida, talvez a mais definidora não seja propriamente a morte, talvez seja o luto. Cedo ou tarde somos confrontados com nosso próprio fim; quando alguém que amamos se vai e de um dia para outro não está mais em nossa vida, como lidamos com a dor e o vazio? E como seguimos? É disso que a escritora espanhola Rosa Montero trata nesse livro tocante que evita a pieguice, ao entrelaçar as lembranças da perda de seu marido Pablo com a vida da cientista polonesa Marie Curie.
Assim como Montero, Curie foi assolada pela morte repentina de seu marido e parceiro Pierre Curie, debaixo das rodas de uma carruagem em Paris. Da leitura dos diários de Madame Curie a única mulher a vencer duas vezes o prêmio Nobel e cientista obstinada aparece em toda a sua devastação e desespero diante do vazio deixado por Pierre Curie. Isso não impediu que Marie continuasse a trabalhar incansavelmente e até a amar novamente mas a marca que o luto deixa não pode ser removida, faz parte de nossa existência. Quem amamos, afinal, vive em nós enquanto aqui estivermos.
Tudo isto e muito mais é mostrado por Rosa Montero em uma prosa fluida que mistura pesquisa acurada, biografia e relato pessoal. Um livro incomum e uma leitura prazerosa.
Sociedade do cansaço – Byung-Chul Han – Ed Vozes
Esse livrinho, parte de uma coleção do filósofo sul-coreano, ajuda a entender o mundo louco em que vivemos e como estamos mergulhados nessa loucura. Em contraposição à sociedade de controle de Michel Foucault, Han desenvolve o conceito que dá título ao livro, um mundo onde nos cobramos mais e mais até a exaustão para atender a expectativas que acreditamos ser da sociedade mas que são apenas nossas.
Essa autoilusão é estimulada e sustentada por treinamento motivacionais e a cultura das redes sociais, por exemplo, onde o que vale é mostrar-se vencedor. Fracasso é derrota. Em um mundo de coaches devemos lutar até a exaustão, a morte ou a irrelevância.
O excesso da elevação do desempenho leva a um infarto da alma. O cansaço da sociedade do desempenho é um cansaço solitário, que atua individualizando e isolando.
Apesar de curta, não é uma leitura fácil mas o esforço compensa: Han desmonta teorias e as recria e, ao fim, nos deixa em alerta: motivação demais esgota e, em alguns casos, mata.
Um amor feliz – Wislawa Szymborska – Cia das letras
Quando a Companhia das letras lançou a primeira coletânea de poemas da polonesa ganhadora do Nobel de literatura de 1996 iniciou-se no país uma “febre Szymborska” que, a meu ver, é totalmente justificada: a poesia feita de imagens límpidas e precisas, o coloquialismo que aproxima poesia e prosa poética, as imagens surpreendentes e a temática intimista mas ao mesmo tempo universal fazem desse livro, assim como a primeira coletânea, a qual prefiro, leitura imperdível que encanta a quem se aventura pelas páginas desse lindo volume.
Nada acontece duas vezes nem acontecerá. Eis nossa sina. Nascemos sem prática e morreremos sem rotina.
E cá está, com o tempo que me falta apresentei três dicas de livros, espero que gostem tanto quanto eu gostei de ler. Vamos aproveitar o tempo que falta, boas leituras!